quarta-feira, 2 de março de 2011

Desigualdade Social e Renda Injusta


Por: Frei Betto

Entre os 15 países mais  desiguais do mundo, 10 se encontram na América Latina e Caribe. Atenção: não  confundir desigualdade com pobreza. Desigualdade resulta da distribuição  desproporcional da renda entre a população.
 O mais desigual é a  Bolívia, seguida de Camarões, Madagascar, África do Sul, Haiti, Tailândia,  Brasil (7º lugar), Equador, Uganda, Colômbia, Paraguai, Honduras, Panamá,  Chile e Guatemala.
 A ONU reconhece que, nos últimos anos, houve  redução da desigualdade no Brasil. Em nosso continente, os países com menos  desigualdade social são Costa Rica, Argentina, Venezuela e Uruguai. 
 Na América Latina, a renda é demasiadamente concentrada em mãos  de uma minoria da população, os mais ricos. São apontadas como principais  causas a falta de acesso da população a serviços básicos, como transporte e  saúde; os salários baixos; a estrutura fiscal injusta (os mais pobres pagam,  proporcionalmente, mais impostos que os mais ricos); e a precariedade do  sistema educacional.
 No Brasil, o nível de escolaridade dos pais  influencia em 55% o nível educacional a ser atingido pelos filhos. Numa casa  sem livros, por exemplo, o hábito de leitura dos filhos tende a ser inferior  ao da família que possui biblioteca.
 Na América Latina, a  desigualdade é agravada pelas discriminações racial e sexual. Mulheres negras  e indígenas são, em geral, mais pobres. O número de pessoas obrigadas a  sobreviver com menos de um dólar por dia é duas vezes maior entre a população  indígena e negra, comparada à branca. E as mulheres recebem menor salário que  os homens ao desempenhar o mesmo tipo de trabalho, além de trabalharem mais  horas e se dedicarem mais à economia informal. 
 Graças à  ascensão de governos democráticos-populares, nos últimos anos o gasto público  com políticas sociais atingiu, em geral, 5% do PIB dos 18 países do  continente. De 2001 a 2007, o gasto social por habitante aumentou  30%.
 Hoje, no Brasil, 20% da rendas das famílias provêm de  programas de transferência de renda do poder público, como aposentadorias,  Bolsa Família e assistência social. Segundo o IPEA, em 1988 essas  transferências representavam 8,1% da renda familiar per capita. De lá para cá,  graças aos programas sociais do governo, 21,8 milhões de pessoas deixaram a  pobreza extrema.
 Essa política de transferência de renda tem  compensado as perdas sofridas pela população nas décadas de 1980-1990, quando  os salários foram deteriorados pela inflação e o desemprego. Em 1978, apenas  8,3% das famílias brasileiras recebiam recursos governamentais. Em 2008, o  índice subiu para 58,3%.
 A transferência de recursos do governo à  população não ocorre apenas nos estados mais pobres. O Rio de Janeiro ocupa o  quarto lugar entre os beneficiários (25,5% das famílias), antecedido por Piauí  (31,2%), Paraíba (27,5%) e Pernambuco (25,7%). Isso se explica pelo fato de o  estado fluminense abrigar um grande número de idosos, superior à media  nacional, e que dependem de aposentadorias pagas pelos cofres  públicos.
 Hoje, em todo o Brasil, 82 milhões de pessoas recebem  aposentadorias do poder público. Aparentemente, o Brasil é verdadeira mãe para  os aposentados. Só na aparência. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE  demonstra que, para os servidores públicos mais ricos (com renda mensal  familiar superior a R$ 10.375), as aposentadorias representam 9% dos ganhos  mensais. Para as famílias mais pobres, com renda de até R$ 830, o peso de  aposentadorias e pensões da previdência pública é de apenas  0,9%.
 No caso do INSS, as aposentadorias e pensões representam  15,5% dos rendimentos totais de famílias que recebem, por mês, até R$ 830.  Três vezes mais que o grupo dos mais ricos (ganhos acima de R$ 10.375), cuja  participação é de 5%.
 O vilão do sistema previdenciário  brasileiro encontra-se no que é pago a servidores públicos, em especial do  Judiciário, do Legislativo e das Forças Armadas, cujos militares de alta  patente ainda gozam do absurdo privilégio de poder transferir, como herança, o  benefício a filhas solteiras.
 Para Marcelo Neri, do Centro de  Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, no Brasil “o Estado joga  dinheiro pelo helicóptero. Mas na hora de abrir as portas para os pobres, joga  moedas. Na hora de abrir as portas para os ricos, joga notas de cem reais. É  quase uma bolsa para as classes A e B, que têm 18,9% de suas rendas vindo das  aposentadorias. O pobre que precisa é que deveria receber mais do governo.  Pelo atual sistema previdenciário, replicamos a desigualdade.”
 A  esperança é que a presidente Dilma Rousseff promova reformas estruturais,  incluída a da Previdência, desonerando 80% da população (os mais pobres) e  onerando os 20% mais ricos, que concentram em suas mãos cerca de 65% da  riqueza nacional.

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