Quero? Devo? Posso?
As questões acima são centrais e norteadoras na vida de todo ser humano, e essas questões só existem porque nenhum ser humano é uma ilha, que vive isolado dos demais. Ser humano é conviver com outros seres humanos, é interagir constantemente com os que nos cercam.
Nessa interação constante, vamos conhecendo o outro, novas formas de pensar, de agir, de sentir. Vamos percebendo que o outro possui sua individualidade, traz consigo sua bagagem interior, construída a partir do contexto histórico a qual está inserida, o meio onde vive e as pessoas com as quais se relaciona. Nesse momento já não somos mais um ou dois, somos vários, pois absorvemos e somos absorvidos por essa troca de experiências, de vivências.
Começamos a perceber que a vida é um processo, algumas vezes muito lento, doloroso, tantos outros extremamente rápido e delicioso; pois a vida é mudança constante, é a construção, desconstrução e reconstrução de sonhos, ideias, vontades, objetivos.
Isso porque, como já dizia Sartre, estamos condenados à liberdade; e essa liberdade exige diariamente de nós escolhas e mais escolhas. Escolhemos amar ou rejeitar, sonhar ou realizar, planejar ou executar. Nossas ações estão intrinsecamente ligadas a essas escolhas, pois mesmo o “não fazer nada” significa a escolha de omitir-se de certo fato.
Em nossa sociedade atual, é cada vez mais comum ouvirmos que as pessoas não sabem agir corretamente, não possuem ética seja em sua vida pessoal, seja em sua vida profissional. Por que isso acontece?
É necessário compreender que vivemos em uma sociedade capitalista que estimula o consumismo, e é através dele que o ser humano supostamente encontra sua felicidade, ainda que momentânea. Essa sociedade é marcada pela aceleração do tempo, em todas as esferas sociais; a refeição é rápida, o sono é rápido, os compromissos são rápidos, os relacionamentos começam e terminam rápido. Isso é o que Cortela denomina de “miojização social” – uma analogia ao famoso macarrão instantâneo.
Nesse processo, o ser humano perde sua essência, sua integridade, sua morada, seu EU. Perdemos o foco e a direção do nosso próprio caminhar, deixamos de questionar sobre o que é mais sensato para nós e para o outro, aliás, deixamos de perceber o outro enquanto um ser inserido no mesmo processo que nós, de escolhas, ações, descobrimentos.
Estamos então, fadados à frustração? Estaríamos condenados ao desespero? Qual direção seguir?
Mais uma vez Cortela nos oferece um norte, quando diz que estamos vivendo a sociedade da despamonhalização. Esse termo, engraçado à primeira vista, possui uma reflexão profunda.
Antigamente, para se fazer a pamonha toda a família era necessária. Cada um tinha uma função específica, desde colher o milho até ralá-lo e cozinhá-lo, onde no final da tarde todos degustariam a deliciosa pamonha. O objetivo principal porém, não era a deliciosa pamonha, e sim o contato, as conversas, os aprendizados que eram compartilhados pela família durante esse processo, onde seus membros criavam e aprofundavam interrelações que permitiam o conhecer, o compreender, o compartilhar com o outro. Nesse processo de convivência, onde o tempo não corria tão desesperadamente e impacientemente, as pessoas iam se transformando e transformando o meio onde viviam, através das experiências trocadas entre si.
O caminho então para uma sociedade mais justa e igualitária, deve se iniciar por uma profunda transformação em nós mesmos. Devemos refletir sobre quem somos, por que somos e como somos. E digo isso no plural, pois a vida humana é social, coletiva, de relações. Só nos construímos e reconstruímos a partir da convivência com o outro. Nesse recriar constante é que devemos ao agir com outro refletir: Quero? Devo? Posso?
Abraços,
Luiz
Um comentário:
Muito interessante o post, e o que o filósofo Cortela diz sobre a troca de experiências durante o preparo da pamonha, envolve o cultivo da cultura oral, que praticamente se perdeu.
A cultura oral pressupunha a vivência compartilhada, no núcleo familiar, em que conflitos eram resolvidos e exercitado o ouvir ao semelhante.
Os desequilíbrios domésticos se originam pela falta do cultivo da afetividade, que no interior de uma família revela suas complicações. Entram fatores como reconhecimento, entendimento, condescendência e cumplicidade - virtudes que só surgem com vagar e valorizando a confiança.
O mais efetivo aprendizado do ouvir ao próximo tem o lar como base, e é a partir dele que levamos essa capacidade para os outros círculos de convivência.
Não é outro o drama das "famílias autistas", tão comuns hoje.
Parabéns, mais uma vez, pelo post e pelo bloq em si. Um verdadeiro achado no nevoeiro do ciberespeço! Continuem!
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